(para Ricardo Nolasco. Para Momo: para Gilda
com Ardor)
Eu negro o suco do meu suor grudado na roupa.
Eu escuro imperfeito nadando no sebo do tempo. Eu gordo sedento comendo na
borda do vento. Eu e meu desejo de ser eu. Eu claro vexame eu que recebo o
gongo retumbante da natureza. Eu transexual sem igual sem moral andando nua nas
ruas de uma Curitiba vazia. Eu dessa vez deficiente movendo-me loucamente sem
espaço sem tez. Eu mulher parindo com dor sem amor com odor eu e o veneno da
beleza. Eu branco cheirando a peste nos repolhais meus ais meus sais só
reclamo. Eu e a tristeza de ser homem nos dias de hoje me arrasto. Eu e meu
desejo de ser eu. Eu Momo dançante figura que sorri que samba que dança sobre o
pó de uma desgraça. Eu essa farsa eu na brincadeira de perder cadeira. Eu de
bruços de bode eu e meu lugar de pobre. Eu descalço tremendo percalço a caminho
do abrigo. Eu lixo poroso vigor vaidoso de quem escapa para pertencer. Eu Gilda
malabarista eu e meus beijos de loucura eu sem doçura pedindo dinheiro e afeto
eu sem família eu sem teto. Eu e meu desejo de ser eu. Eu o mesmo eu muitos
outros eu unidade multitudinária eu e minha vida ordinária. Eu e a necrofilia
das relações conturbadas eu e minhas vacas sagradas. Eu cão sem dono rei sem
trono eu uma vida lançada minhas pernas aladas. Eu sem mãe eu sem pai eu e o
domínio do mal eu canibal. Eu tremendo de raiva eu babo eu travo eu lingote do
humano. Eu sem dano eu canto eu sem pano sem traço meu desenho escasso. Eu e
minha magia morrente minha estrela cadente eu sem plano. Eu amor decadente eu
furacão dormente eu sem dente eu sem nada. Eu e minha língua fluente eu flâneur
cosmonauta inconsequente eu sem pauta eu sem droga. Eu e meu desejo de ser eu.
Eu que meu black bloc é bricabraque eu no atraque sem ganhar nem perder. Eu sem
temer. Eu intenso eu penso que tenso é saber sem viver. Eu e meus sonhos mais
selvagens eu nas ramagens eu pura paisagem. Eu descolado da cena eu terrena eu
perene eu serena travesti. Eu obeso de alegrias e benesses eu e a tristeza que
engoli. Eu que sofri eu que virei o jogo eu que dei o troco. Eu simulação do
acaso eu sem tamanho eu que apago. Eu que me vire eu tortuoso eu que escorro
por onde os pés já não pisam. Eu e minhas torres de marfim eu nos calabouços eu
nos porões militares eu nos chãos batidos eu e meu giz. Eu e meu ego inflado eu
que digo não eu ancião. Eu gato malhado eu escaldado eu outro sim eu sem fim.
Eu tabagista enjaulado eu e minha cidade cárcere privado. Eu e minha ilusão eu
e minha fábula eu bandido sem alma. Eu prestidigitador do infinito eu que agito
eu e meu grito do sétimo andar. Eu e meu desejo de estar.
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