Wednesday, June 15, 2011

De uma simplicidade de polaca




Houve tempos em que algumas “portas da percepção”, por serem de difícil acesso, geravam uma tal curiosidade obstinada que, somente ao delas saírem, as pessoas começaram a vislumbrar que as coisas simples da vida estavam soçobradas em um manto de informações que não as levaria a lugar algum. Hoje temos redes, teias e canais de acesso linfáticos que nos permitem uma vida asséptica, segura — segundo a sua conexão — e à distância. Mas, e o amor? Aquele amor suado de outrora, quente, cheio de cheiros e gestos e hálitos e olhos e bocas e que só aparece em sua plenitude múltipla através do toque imediato, como se num botão de pressionar algo ele estivesse: é esse o amor que eu quero para mim. Quando o abraço apertado cede, empresta, dá o corpo a qualquer desejo, que não se pode e pelo bem da humanidade não se deve controlar ou reprimir. Há no mundo um lugar onde me sinto em casa, e não é dentro de mim mesma; meu corpo é mera terapia ocupacional. Eu sonho com o nono andar de uma manhã ensolarada, o café feito na cafeteira italiana, o sonho vem da simplicidade da alma, do afastamento da realidade comezinha, mesquinha e que paulatinamente destila capitalismo tardio em nossas conjuradas veias, tão orgânicas quanto o plástico, a seda e o movimento nervoso que se nota no pêlo do rabo dos cães. Nesse meu sonho o amor é meu, puro e insano, inexplicável como só as coisas mais lindas do mundo são. Na rua em frente estão as putas usando drogas e mostrando o saco em posições exóticas, as sirenes da polícia, ou das ambulâncias, o som dos bailes onde o amor deu vez à transação financeira terrena, quando a necessidade de sobrevivência impede a dignidade humana de fluir e se estabelecer. Tenho vontade de abraçá-las e dizer que as amo, sem mentira, sem dolo, sem manha. A tecnologia humana é de longe a engenhoca mais bonita de se ver. Quando todo o resto se foi e só permaneceu o piscar de olhos, o sorriso acanhado e atraente dos desdentados, eu sonho com as mãos mais lindas que já me tocaram nessa vida, com a voz mais doce e carinhosa que já me falou ao pé do ouvido, com os tapas mais cheios de tesão que me lavraram a carne branca. Eu sonho com o que é simples, eu sonho porque o sonho nenhum sistema de software ou hardware conseguirá jamais reproduzir, eu sonho porque amo e porque o amor não é simples, não. Não é explicável, não. Não é descartável, não. Quando aparece a gente só experimenta, e vive, e tece, e alimenta, e cresce. Eu amo o sonho que sonho e a moleza que você me dá nas pernas, eu sou pequena num mundo cheio de coisas grandes e indecifráveis, como o meu corpo, o último grito da tecnologia wireless que você tem o poder de ligar apenas com o seu sorriso fino e tímido de canto de boca.