Todo rito de passagem requer percepção sensorial sensível, um jogo de
estímulos e reações físicos e metafóricos lançado no tempo-espaço
infindável das possibilidades, das criações, da absorção mutante, muda
e lenta que se dá nos ossos, sem ela esse pó não irá brilhar em um futuro
próximo. Quando uma porta se abre, uma nesga de tempo vaza para
fora do perímetro sensível, se espraia, expande, se ampliam os plexos, a
situação kármica se aquece e o movimento aparece. É claro que
precisamos de um intelecto rebelde para descortinar ou mesmo
determinar o fenômeno, apreendê-lo sensivelmente nos próprios órgãos
vitais, respirar o ar intermediando a situação por aquilo que
conseguimos dela depreender no pensamento, que é a organização
formal de um sentido utópico e por isso mesmo irrealizável e, mais do
que isso, por aquilo que ela em si nos provoca no corpo, na pele, na
figura humana instável e possivelmente fatalista em cujas terminações
nervosas vai parar o registro de todas as transmissões neuroquímicas
de que somos capazes.
Freudiana é a psicologização de uma família, de suas relações
mercantis, suas mal enjambradas searas de afeto nocivo e desdenhoso,
seu desenvolvimento mediano e moroso, qual criança insaciável que
ruma para o nunca doce de sua vida. Prefiro a morte do que um caso de
amor morno e sem paixão: é aqui que ocorre a ritualização de uma
abertura, corporal, sazonal, telúrica, intelectual, espetacular, que faz
rolar de prazer o meu coração.
O mundo é uma comunidade de interpretação que se concretiza
progressivamente, o ritmo de um sabor, o deixar-entrar, deixar-ser de
um corpo coletivo cujas relações se baseiam em construção e
desconstrução eternas, cíclicas e lineares a um só tempo. Quando eu era
pequena Hollywood era um exemplo, um modelo que meu país se
acostumou a observar e seguir sem a autocrítica dos que dançam para
viver, e não vivem para dançar.
É claro que fui seduzida, é claro que nenhum