Há muito que se perderam as coisas realmente boas que envolvem a prática teatral curitibana, meldels! Do teatro crássico, por exemplo, o famoso “teatrão istóra peito”, permaneceram somente os repisados formatos caricatos de interpretação carregadésima, daquelas de explodir o peito do sujeito de emoção mesmo, de bocejosos textos canônicos e sacralizados pelo seu uso recorrente através dos tempos, indicando, com isso, também, alguma preguiça de se criar algo realmente novo e conectado com o tempo atual (uma indecorosa mania humana de se espetar a responsabilidade daquilo que está sendo dito em outra pessoa que não a que está ali, viva, na hora, para poder se defender. O Shakespeare, por exemplo, coitado, sendo montado e remontado zilhões de vezes pelos quatro cantos do mundo sem a mínima chance de discordar de nada ou expressar que aquilo ali pertence a outra fase de sua vida, fase que expressa coisas que já não sente mais ou pelo menos não daquele jeito e que ele já não está mais “nem aí”! Enfim, em outra parte eu retomo esse assunto, mas agora não é esse o foco, ô dó), porém, no entanto, em outra mão, foram-se embora costumes maravilhosos como o garboso serviço de camareiras, aquelas senhorinhas ótimas com quem se podia conversar tomando um café feitinho na hora, fresquinho, bolinho de fubá, docinhos, alguém a quem se podia pedir para ligar o rádio enquanto a gente se maquia, se arruma, se emperiquita, se perfuma, se alisa, se monta, alguém com quem a gente podia fofocar, contar os desastres íntimos e intransferíveis, falar mal das celebridades que estão em ascensão junto com você, falar das principais notícias mundiais do dia, alguém que morreu de véio ali, uma escada, um coreto, uma arquibancada que caiu na cabeça de não sei quem acolá e matou, um bando que a terra sugou, um buraco que se abriu, uma inundação em algum país pobre, um presidente ditador matando um pedaço de povo escondido, um namoradinho, um treps, uma chupadinha furtiva escondida do marido, do namorado, do empresário, do produtor, do agente, do pai, da mãe, dos filhos, alguém que enfiou a mão dentro da nossa calça sem querer, buscando alguma coisinha desejável, um pecadilho aqui, outro ali, alguém para pôr as nossas perucas em ordem, penteá-las com cuidado, enfileirar os mil tubos de maquiagem para a gente só chegar lá e usar, a nosso bel-prazer, alguém para pendurar nas araras todos os nossos figurinos, passadinhos e engomadinhos, durinhos do jeito que a gente gosta, alguém para polir nossos sapatos, alguém para nos trazer remedinho de dor de cabeça quando no dia anterior a bebedeira foi forte, ah, as camareiras! Profissão caída em desuso na contemporaneidade fugaz! J-e-s-u-i-z, quanta injustiça!!! Por mim caía tudo desse tipo de teatro, menos a camareira. A camareira eu quero de volta, eu quero a minha camareirinha!!! Fosse um time delas, melhor ainda, que aí dava para abusar mais, já baixa a diva loka e a gente já começa a pedir de tudo, sentir falta de ar, mandar abrirem e fecharem a porta sem pedir por favor, reclamar, dar ordens, destratar, mostrar quem manda naquilo tudo ali, bater no peito de punho cerrado e berrar “aqui quem sofre sou eu! Só eu! E ninguém mais fala comigo aqui, só me dirijam a palavra quando eu permitir”. Outra coisa: as grandiosíssimas estreias! Que falta fazem! Ah, coquetéis, bebidinhas, comidinhas, câmeras, luzes e safadezas, mão naquilo, aquilo na mão, só gente bonita, vistosa e bem vestida. Tapete vermelho já no asfalto, um aparato de luz igual àquele que se projeta no céu para chamar o Batman, fogos de artifício, luzes modernas piscando e girando para todos os lados, dando aquela sensação gostosa do lusco-fusco, que parece que a gente vai desequilibrar e cair a qualquer instante, no fosso gigantes orquestras de ternos brilhosos e instrumentos douradíssimos luxuosos tocando um som altíssimo, daqueles que a gente tem que gritar furiosamente para se ouvir e no dia seguinte fica todo mundo rouco, entrada livre para todo mundo, até pros mendigos da rua (eles também precisam do contacto com o glamour para sobreviver às intempéries, como não?!! Não se pode negar o glamour a ninguém nesse mundo, seria classista, elitista, burrista e petite bourgeois e isso não é nada cool e isso não é o que a gente quer, é?) e, claro, flores no final do espetáculo, muitas flores, muitas mesmo, de sufocar, espalhadas pelos camarins, em buquês entregues por homens de dentes e alturas maravilhosos, imponentes, pauzudíssimos, disponibilíssimos e, claro, burríssimos, tapadíssimos, porque os intelectuais já querem vir nessa de discutir conceito e estética da porra toda logo depois da apresentação, que coincide justamente com a hora em que o que mais você quer é retocar a maquiagem, redobrar a cola nos cílios e aumentar a voltagem do gloss (bem do tipinho para parecer que estamos vertendo águas sagradas), dissipar o espírito, dissolver a alma com alguma bebida caríssima em alguma taça caríssima de cristal oriental caríssimo ou coisa que o valha, ficar doidinha num canto só nas caras e bocas, levantando a sainha, mostrando a liga, se esfregando bem coquete num cantinho com alguma coisa ou alguém, enfim, se fazendo. Cartões de admiradores espalhados por tudo quanto é canto, todos te dizendo que te amam e como seria ótimo se nós nos conhecêssemos e aquele blá blá blá todo de quando alguém quer te comer porque você é importante, ou, no mínimo, um conjunto dócil e amplificado de buracos mucosentos ambulantes. Ah, os bons tempos!!! Ah, magnífica Hollywood dos anos 40 que nos deu tudo isso de presente, para a gente esquecer o país em desenvolvimento lerdo, o pão com ovo sofrido do mesa após mesa, a sanidade carcomida pelos delírios de quem só quer ser amada intensamente. Os fantásticos barbitúricos com que as fantasias se misturam à realidade indistinta, aqueles que nos perturbam os ensaios, as gravações, as filmagens, os horários, os elogios, o tempo, o tempo, o tempo, a gravitacional passagem do tempo, a desagregação mental, o melhor cetim, a melhor pele, o melhor cabelo, a melhor e mais bonita beldade linda maravilhosa poderosa gostosa metida e arrogante de todos os tempos! A mais influente personalidade bem falante bem vestinte bem calçante bem pitante bem prontinha para o que der e vier. Ah, não podemos esquecer dos fotógrafos! =S Jamé! Jamé podemos! Queremos em quantidades exorbitantes!!! De todas as partes do globo! Todos se acotovelando, se batendo, se agredindo, se xingando, se tirando sangue, se quebrando os dentes para tirar uma fotinho torta mal tirada da nossa cara linda e juvenil de gente louca bem sucedida, a mesma que horas depois eles bagunçam com porra quente, no cabelo, na boca, no olho (no auge do tesão sublime de tudo aquilo que foi feito artisticamente, vem aquilo quente no olho e acaba com o glamour na hora!!! e dana tudo - depois eu falo da porra no olho, porque a porra no olho é importante), ah, maravilhosos tempos que não voltam mais a essa Curitiba repetida de tudo de sempre de hoje! É inadmissível ver as pessoas por aí compondo plateias de gente maltrapilha, usando havaianas nos pés, chinelos e sandálias vão de dedo puídas, gastas, com a sola torta, pés sujos, empoeirados do dia inteiro, roupa de quem acabou de fazer trilha no mato, mochilas de acampar nas costas, tecidos grosseiros, sem caimento, jeans horrorosíssimos e repugnantes, unhas mal feitas, cabelos de quem acabou de acordar numa rain forest qualquer e foi ao teatro!!! :O É escandaloso!!! Gente sem brilho no olho, macilenta, acinzentada, gente que não comeu direito, gente cansada de viver, abatida, doente, gente que não passa um blushzinho sequer... ah, onde estão os gloriosos vestidos bufantes de tafetá com camadas e mais camadas de tule por baixo estilo Scarlett O´Hara, D-e-u-s do C-é-u!!! Onde estão as melhores grifes mundiais para calçar essa população comezinha que habita Curitiba?!? Cadê??? Cadê??? Eu fico doente com essa história! Me dá uma vontade de largar tudo e fugir pro outro lado! Por isso vai tão pouca gente ao teatro hoje em dia... Tem tão pouco apelo, tão pouco cuidado, tão pouca minúcia. Quem vai pro teatro olhar para a cara tombada dos outros, vestidos iguais ou piores que você?!! Quem quer ver a miséria odiosa que mora na ausência da suntuosidade? Melhor seria ligar a tevê no Canal Brasil!!! Há que se refletir, Curitiba, há que se refletir! Anos de civilização, apuro e beleza e o que sobra é a porra da milionésima versão do drama canastrão do Hamlet para uma plateia mal acabada mal perfumada insípida suja amarelada?