Tuesday, November 16, 2010

Por uma sensibilidade mais palpável ou Eu acabo de acordar tremente


"I'm not interested in how people move, but what moves them"
Pina Bausch





Não, não é com esse apreço fantasioso pelas coisas póstumas que deve-se iniciar algo. Não é com esse início oligárquico e ritualístico de introdução por via qualquer que um começo deve ser esboçado. Não é com a tardia sensação do luto digno e honroso que um início se dá nem tampouco com uma alegria de baixa e fácil satisfação terrena. O início não se dá. A introdução deverá ser mais sentida do que percebida como cognoscível ou até reproduzível. Não se encaixariam aqui feéricas sentimentalidades cristãs ou judaicas quando o que se sente é ulterior, estampado da dignidade do vento e por ele facilmente perpassável, tangível e transubstanciável. O que quero com isso é dizer dos modos cartesianos que simplesmente afrouxaram ao longo dos heroicos tempos de sobrevivência humana, perderam atributos originais em função de sua não aplicabilidade em sistemas sensíveis cuja decodificação não aparece, necessariamente, em letras ou alardes grandes, não existe como contemplação e não pode ser enquadrada por magnificentes discursos de bens e ataques atávicos. A realidade não comporta sensibilidades aguçadas e falantes, pensantes cataclismos de sua condição e carentes de pesquisa aprofundada. É do sujeitar-se ao outrar-se a temeridade do ato, da transposição de angular pedra lapidada para um canto onde - ainda que percebida - não cause mais percalços ou impeça o bom andamento de idiossincrasias cada vez menos conectadas com a percepção do outro integral, integrado em um meio dissoluto, resoluto, passivo, recalcitrante e repetitivo. Estou aqui porque perdi o útero na guerra santa, doei para não perder a graça, a causalidade de um corpo sem funcionalidade secular, porque Munja e sua sabedoria milenar me ensinaram a agradecer os feitos bons e a humanidade que ainda late em nós. Vem do olho, poderoso órgão de sentimentalidade igrejística e templária, uma piedosa subordinação de todos os conjuntos úteis e programáveis da natureza dilapidada em nós. Vem da boca uma escrita ímpia e meticulosa que vira fala facada de dosseis artimanhados por um mundo físico mais refreável e dificilmente descobrível. Munja haverá dito, por esse meu peito que arfa, pelas minhas ancas que acendem todos os fogos das olarias mais latejantes de terra, areias e holística fibra natural. Munja subscrita e capada, uma oitava mais alta na voz, mais alta que o intestino estraçalhado e repousante de boca em boca de cordeiros envoltos em lã itinerante. Ora, se me percebo distribuída, é possível que queira também compartilhar de uma fisicalidade destronável, arcaica e mutante, aberta como poros para a entrada de novos signos sensoriais, luz e sol. Tanto tempo gasto com as especializações mesquinhas que se perdeu a noção do todo, de onde surgem os regimentos e das suas reais motivações terráqueas. É preciso que entendamos que alguns de nós não estão aqui para florir, com um assombro magnânimo de beleza que dura somente até o cair de um dia, que não ultrapassa o primeiro instante de fala ou o toque intencional de sua abertura em operacional flor diamante. O que sobra de tempos em tempos é uma necessidade vitalícia de segredos e réstias de famílias enclausuradas, diametralmente opostas à real felicidade de flores que brotam que geram que parem com dor efusiva incrível e midiática mergulhada em prazeres de sangue etéreo de fiação fictícia de numerabilidade sempre binária, sempre aquilo entre o zero e o um. Eu sou pelo sentir antes de qualquer outro sentido: que venha, que rasgue, que abra e dilacere, que saia, que sofra, goste ou desgoste antes que saia em forma verbo de palavra carne morta, de olho visto enxergado enxertado distorcido e catalogado, antes que o ouvido aja por precocidade, por automatismo, nomadismo ou falta de atenção amor. Munja munida de ampolas históricas vez por outra ainda planta uma indagação em algumas bundas, ou axilas, ou partes destacáveis e defloráveis como aquilo que só os buracos feitos de carne desejam, imploram, pedem, por ajuda ou por delito, por amor ou por complacência, por prazer ou por feitio. O que fica por sentir fica para ser descrito, no devir assassinado, estripado, mal controlado e não sabido. É impuro e injusto o não sentido. Aquilo que não passa pela carne não passa pela alma não passa pela reza não passa por Deus não passa no Cosmos. Aquilo que não passa não pode ser visitado ou discutido, muito diminuto que fica o nosso leque de operações e códigos vazios da gloriosa falta de experimentação. Não carrego uma pátria sem corpo ou de corpo conjunto no coração. Carrego um corpo segregado e dissonante, os rins lustrosos e a espinha erétil de medula e osso buco animal oscilante, vertente escura das pardas raças que sorriem à noite para os outros em uma mata tão escura que é quase como se brilhasse a lua no osso, grifado com o vermelho tenro e escorregadio de uma carne que escapa à cabeça mediana, pequena, incapaz de acolher o sentimento diversificado de todos os ares que respiramos e todos os cheiros, violência, terra e merda humana. Terá ela ouvido da facticidade propícia do flerte? Que seu corpo em amor ama, esquenta e umedece e em guerra enrijece, luta e mata? Que uma mulher só escreve bem se escreve como homem? Como uma ausência patente de signos não comprimíveis constroem a realidade tátil? Os seus filhos jamais serão os meus, cujos dentes irão arreganhar-se na luta contra a falta de criação de sentidos múltiplos, intercambiantes, dissonantes e discorrentes. Se a eles lhes darei dentes, darei ventres, peles e orifícios suntuosos por onde conhecer e aprender a não se brincar com a falta que uma alma perspicaz faz em uma doce aquiescência matinal.

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