Sunday, April 23, 2017

Meu amor






Meu amor, você me descadeirou
Corpo fremiu, baba caiu, a alma descontrolou
O pântano que atravessei até chegar ao teu coração, terreno árido, chão rachado
A ogiva nuclear do teu olhar, minha garrucha e teu canhão, nós sem estação
A mão espalmada no norte, no sul o corte, o dedo brincando na ferida
Meu amor, você é minha vida

De lombo dormente, voz tremente, o cabelo um mar agitado de paixão

Eu tua máquina de tirar leite, em ti grudada, máscara famélica e crispada

Nossos ossos em comunicação terrena, me fazendo plena na régua da tua métrica 

Meu amor, não sou mais tétrica

O nosso espelho avariado, um rosto arrebatado de prazer 
Tua emergência penetra e enche, refocila em mim uma esperança
A vida menos lívida em jatos canta e dança 
Meus músculos te dizem meu amor, em mim a casa tua
Meu amor, para sempre me possua.

Monday, April 10, 2017

Eu e meu desejo de ser eu


(para Ricardo Nolasco. Para Momo: para Gilda com Ardor)




Eu negro o suco do meu suor grudado na roupa. Eu escuro imperfeito nadando no sebo do tempo. Eu gordo sedento comendo na borda do vento. Eu e meu desejo de ser eu. Eu claro vexame eu que recebo o gongo retumbante da natureza. Eu transexual sem igual sem moral andando nua nas ruas de uma Curitiba vazia. Eu dessa vez deficiente movendo-me loucamente sem espaço sem tez. Eu mulher parindo com dor sem amor com odor eu e o veneno da beleza. Eu branco cheirando a peste nos repolhais meus ais meus sais só reclamo. Eu e a tristeza de ser homem nos dias de hoje me arrasto. Eu e meu desejo de ser eu. Eu Momo dançante figura que sorri que samba que dança sobre o pó de uma desgraça. Eu essa farsa eu na brincadeira de perder cadeira. Eu de bruços de bode eu e meu lugar de pobre. Eu descalço tremendo percalço a caminho do abrigo. Eu lixo poroso vigor vaidoso de quem escapa para pertencer. Eu Gilda malabarista eu e meus beijos de loucura eu sem doçura pedindo dinheiro e afeto eu sem família eu sem teto. Eu e meu desejo de ser eu. Eu o mesmo eu muitos outros eu unidade multitudinária eu e minha vida ordinária. Eu e a necrofilia das relações conturbadas eu e minhas vacas sagradas. Eu cão sem dono rei sem trono eu uma vida lançada minhas pernas aladas. Eu sem mãe eu sem pai eu e o domínio do mal eu canibal. Eu tremendo de raiva eu babo eu travo eu lingote do humano. Eu sem dano eu canto eu sem pano sem traço meu desenho escasso. Eu e minha magia morrente minha estrela cadente eu sem plano. Eu amor decadente eu furacão dormente eu sem dente eu sem nada. Eu e minha língua fluente eu flâneur cosmonauta inconsequente eu sem pauta eu sem droga. Eu e meu desejo de ser eu. Eu que meu black bloc é bricabraque eu no atraque sem ganhar nem perder. Eu sem temer. Eu intenso eu penso que tenso é saber sem viver. Eu e meus sonhos mais selvagens eu nas ramagens eu pura paisagem. Eu descolado da cena eu terrena eu perene eu serena travesti. Eu obeso de alegrias e benesses eu e a tristeza que engoli. Eu que sofri eu que virei o jogo eu que dei o troco. Eu simulação do acaso eu sem tamanho eu que apago. Eu que me vire eu tortuoso eu que escorro por onde os pés já não pisam. Eu e minhas torres de marfim eu nos calabouços eu nos porões militares eu nos chãos batidos eu e meu giz. Eu e meu ego inflado eu que digo não eu ancião. Eu gato malhado eu escaldado eu outro sim eu sem fim. Eu tabagista enjaulado eu e minha cidade cárcere privado. Eu e minha ilusão eu e minha fábula eu bandido sem alma. Eu prestidigitador do infinito eu que agito eu e meu grito do sétimo andar. Eu e meu desejo de estar.