Acabo de ler o malfadado livro Desconstruir Duchamp: Arte Na Hora Da Revisão, do também malfadado teórico Affonso Romano de Sant’Anna (percebam que o erro na vida do sujeito começa pelo nome).
É óbvio que eu ri muito. Do simples fato de imaginar que uma pessoa se ponha, ainda hoje, em um mundo tão globalizado, a jogar tanto vocabulário e papel fora. Um ou outro artigo do livro é compreensível, admito. Porque é compreensível que a arte contemporânea (sempre citada entre aspas pelo escritor) gere, desde sempre, polêmicas, chamejantes discursos, afeições e repúdios infindáveis. Como a arte de qualquer tempo, diga-se de passagem, pois que a arte dos tempos idos um dia foi contemporânea, se bem me lembro. Mas daí a reunir inúmeros artigos em um livro de duzentas páginas para um assunto esgotado na epígrafe, me pareceu ousado demais.
Devo, aliás, apesar dos grotescos erros de português da edição, parabenizar a Vieira & Lent Casa Editorial Ltda. por essa empreitada tão “vanguardista” e esclarecedora.
O escritor, já velho, escreve velhamente suas velhas teorias sobre velhos movimentos e velhos artistas. Há mais sentido e proficuidade na produção artística de Duchamp, cuja obra baseava-se em seu tempo, do que ler um livro que tenta tratar de um assunto que não pertence ao escritor.
Para escrever sobre algo não basta acreditar que o assunto está dominado. Simples assim.
O senhor escritor Affonso Romano de Sant’Anna (cristão e amantíssimo de Duchamp, ao que tudo indica) não é nenhum artista (sua fracassada poesia não chega a contar) e, recalcado, tenta atacar uma arte tão consolidada e irrevogável quanto o próprio sol, a lua, os cegos, os mudos e o asfalto. Coisas bem velhas, por sinal. As vanguardas artísticas do século XX e a arte contemporânea, em geral, têm os seus conceitos já envelhecidos, empedernidos e, pasmem, ultrapassados.
Não há nada de errado em ser antigo. Dito isto, há que se lembrar que também não há nada de errado em ser contemporâneo. O velho conflito de gerações ataca novamente. Penso que deva existir a hora em que as gerações mais enrugadas e inchadas precisem, sim, passar o bastão e/ou largar o osso. Por amor próprio e por amor ao seu legado artístico. Já que, segundo Ionesco, o humanismo caducou, é necessário que as próprias gerações percebam que estão caducando (mesmo que isto configure um paradoxo, já que é justamente pelo fato da coisa ter caducado que ela não nota que caducou), sem que ninguém precise alertá-las, como manda a boa educação. Caso contrário, viverão (e viveremos) sua indigência mental e sua total falta de dignidade.
Quero crer que não quererá o senhor escritor ser ele próprio o messias a tentar separar o joio do trigo, a dizer o que é e o que deixa de ser arte.
Talvez ele seja romântico ao extremo, talvez chore vendo Van Gogh, talvez chore vendo telenovelas. Talvez pense que o que ele pensa sobre arte contemporânea impedirá ou modificará o curso da arte contemporânea. Talvez seja um completo parvo. Mas ainda assim, não basta que passeie pelos museus, tire fotinhos ridículas (e as deixe publicar depois), identifique e observe as obras, leia, releia e perfure de tanto reler os clássicos, dê seu sangue pelo flácido ponto de vista que sustenta. Nada disso basta para que ele pense que pode escrever sobre aquilo que ele mesmo não pode fazer. Falta-lhe autocrítica, falta-lhe real inserção no mundo atual. Ou será que pretende que retornemos ao barroco, puro e original?
O marketing é a mais eficaz mídia do nosso tempo. Inútil negar. As relações (ou seriam correlações?) entre arte, capital e mercado do nosso tempo operam em esferas semelhantes, se não idênticas. E não são excludentes. Sua interatividade é necessária e nos interessa. Elas somente existirão no mundo atual assim. Não adianta nostalgia tardia.
Sei que o senhor tentou inscrever o seu nome na história — a fotografia no Museu D’Orsay fala por si mesma — mas a história, assim como a sua categoria judicativa de pensamento, morreu mesmo. De desgosto.
A arte é maior do que aquilo que pensam dela. É independente e cruel mas é por isso que é arte. Ela não existe para resistir à análise técnica, para revelar conhecimento algum de sua própria história, para mostrar qualquer força de pensamento teórico e tampouco para reordenar caos nenhum. A arte não pede renúncia a nada, inteligência ou sensibilidade. Por que dar a ela um papel que não lhe cabe?
Senhor escritor incipiente, percebo que a diferença entre a roda da bicicleta, a lata de merda e a tua “obra de arte” favorita está na lágrima — o corpo não seca depois que morre? — que mareja o TEU, e somente o TEU, olho.
Duchamp e seu urinol permanecerão (são os dedos que vão embora e não os anéis), senhor Affonso Romano de Sant’Anna, e você?
De você, already ready-dead, não sobrará nem lata de merda nem privada.
É óbvio que eu ri muito. Do simples fato de imaginar que uma pessoa se ponha, ainda hoje, em um mundo tão globalizado, a jogar tanto vocabulário e papel fora. Um ou outro artigo do livro é compreensível, admito. Porque é compreensível que a arte contemporânea (sempre citada entre aspas pelo escritor) gere, desde sempre, polêmicas, chamejantes discursos, afeições e repúdios infindáveis. Como a arte de qualquer tempo, diga-se de passagem, pois que a arte dos tempos idos um dia foi contemporânea, se bem me lembro. Mas daí a reunir inúmeros artigos em um livro de duzentas páginas para um assunto esgotado na epígrafe, me pareceu ousado demais.
Devo, aliás, apesar dos grotescos erros de português da edição, parabenizar a Vieira & Lent Casa Editorial Ltda. por essa empreitada tão “vanguardista” e esclarecedora.
O escritor, já velho, escreve velhamente suas velhas teorias sobre velhos movimentos e velhos artistas. Há mais sentido e proficuidade na produção artística de Duchamp, cuja obra baseava-se em seu tempo, do que ler um livro que tenta tratar de um assunto que não pertence ao escritor.
Para escrever sobre algo não basta acreditar que o assunto está dominado. Simples assim.
O senhor escritor Affonso Romano de Sant’Anna (cristão e amantíssimo de Duchamp, ao que tudo indica) não é nenhum artista (sua fracassada poesia não chega a contar) e, recalcado, tenta atacar uma arte tão consolidada e irrevogável quanto o próprio sol, a lua, os cegos, os mudos e o asfalto. Coisas bem velhas, por sinal. As vanguardas artísticas do século XX e a arte contemporânea, em geral, têm os seus conceitos já envelhecidos, empedernidos e, pasmem, ultrapassados.
Não há nada de errado em ser antigo. Dito isto, há que se lembrar que também não há nada de errado em ser contemporâneo. O velho conflito de gerações ataca novamente. Penso que deva existir a hora em que as gerações mais enrugadas e inchadas precisem, sim, passar o bastão e/ou largar o osso. Por amor próprio e por amor ao seu legado artístico. Já que, segundo Ionesco, o humanismo caducou, é necessário que as próprias gerações percebam que estão caducando (mesmo que isto configure um paradoxo, já que é justamente pelo fato da coisa ter caducado que ela não nota que caducou), sem que ninguém precise alertá-las, como manda a boa educação. Caso contrário, viverão (e viveremos) sua indigência mental e sua total falta de dignidade.
Quero crer que não quererá o senhor escritor ser ele próprio o messias a tentar separar o joio do trigo, a dizer o que é e o que deixa de ser arte.
Talvez ele seja romântico ao extremo, talvez chore vendo Van Gogh, talvez chore vendo telenovelas. Talvez pense que o que ele pensa sobre arte contemporânea impedirá ou modificará o curso da arte contemporânea. Talvez seja um completo parvo. Mas ainda assim, não basta que passeie pelos museus, tire fotinhos ridículas (e as deixe publicar depois), identifique e observe as obras, leia, releia e perfure de tanto reler os clássicos, dê seu sangue pelo flácido ponto de vista que sustenta. Nada disso basta para que ele pense que pode escrever sobre aquilo que ele mesmo não pode fazer. Falta-lhe autocrítica, falta-lhe real inserção no mundo atual. Ou será que pretende que retornemos ao barroco, puro e original?
O marketing é a mais eficaz mídia do nosso tempo. Inútil negar. As relações (ou seriam correlações?) entre arte, capital e mercado do nosso tempo operam em esferas semelhantes, se não idênticas. E não são excludentes. Sua interatividade é necessária e nos interessa. Elas somente existirão no mundo atual assim. Não adianta nostalgia tardia.
Sei que o senhor tentou inscrever o seu nome na história — a fotografia no Museu D’Orsay fala por si mesma — mas a história, assim como a sua categoria judicativa de pensamento, morreu mesmo. De desgosto.
A arte é maior do que aquilo que pensam dela. É independente e cruel mas é por isso que é arte. Ela não existe para resistir à análise técnica, para revelar conhecimento algum de sua própria história, para mostrar qualquer força de pensamento teórico e tampouco para reordenar caos nenhum. A arte não pede renúncia a nada, inteligência ou sensibilidade. Por que dar a ela um papel que não lhe cabe?
Senhor escritor incipiente, percebo que a diferença entre a roda da bicicleta, a lata de merda e a tua “obra de arte” favorita está na lágrima — o corpo não seca depois que morre? — que mareja o TEU, e somente o TEU, olho.
Duchamp e seu urinol permanecerão (são os dedos que vão embora e não os anéis), senhor Affonso Romano de Sant’Anna, e você?
De você, already ready-dead, não sobrará nem lata de merda nem privada.
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u-la-lá
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